Quem se interessa por Marketing, com certeza já ouviu falar de Endomarketing ou de Growth Hacking. Mas será que você sabe exatamente o que são e porque há riscos no uso desses termos em sua vida profissional?
Você, que me acompanha há algum tempo, já deve ter percebido que apresento uma visão crítica aos termos e às fórmulas que são disseminados indiscriminadamente pelos gurus nos mercados de Marketing ou de Consultoria.
Sempre me preocupo em embasar meus conteúdos em estudos de qualidade (executivos e científicos). Na verdade, há alguns anos meu foco de interesse de estudos é em História do Marketing, Teoria de Marketing e Críticas ao Marketing – particularmente agora, cursando o Doutoramento.
Estou certo que essa fundamentação bem aplicada na prática (seja como executivo ou consultor), foi o que sempre me diferenciou no mercado. Por vezes, entretanto, críticas que precisam ser feitas podem soar surpreendentes para alguns, ou mesmo afastar tantos outros.
Ainda assim, decidi trazer esse post e o vídeo sobre um tema sensível e controverso. Espero que a leitura o estimule a investigar ainda mais os assuntos e que, com estudos mais plurais, possa formar sua opinião.
A origem oportunista do Endomarketing
Na década de 70, um dos maiores nomes de sempre no Marketing e pioneiro da Escola Nórdica de Serviços, o finlandês Christian Grönroos, publicou o livro “Marketing: Gerenciamento e Serviços”, derivado de sua tese de doutoramento.
Anos depois, o livro foi traduzido no Brasil. Entretanto, para azar histórico dos brasileiros, o tradutor técnico do livro decidiu, deliberadamente, substituir o título do capítulo “Internal Marketing” por “Endomarketing”. Desde então, milhares de estudantes e profissionais brasileiros têm utilizado esse termo equivocada e inadvertidamente.
Como não fosse suficiente, o tradutor registrou (sim, criou uma marca registrada legalmente em meados da década de 1990) o termo “Endomarketing” e passou a perpetuar o que já era amplamente consagrado dentro da literatura sobre Marketing Interno como parte de sua criação de Endomarketing.
Graças aos céus, à reivindicações de professores e à uma tradutora muito competente e experiente Cláudia Belhassof, desde 2009 as novas edições do livro de Grönroos eliminaram a criação falaciosa e passaram a somente adotar o conceito correto de Marketing Interno.
De todo modo, um bom estrago já foi feito… no Brasil (e, reforço, isso existe somente no Brasil – veja minhas pesquisas abaixo) existem livros tratando ou citando o Endomarketing, profissionais ocupando cargos de Endomarketing e empresas dos mais variados portes e setores baseando seus serviços neste termo. Há até mesmo disciplinas em cursos de licenciatura, pós/MBA e até mestrados com a nomenclatura equivocada.
Vá no Google Acadêmico e faça esse teste você mesmo, buscando por “Endomarketing”:
- Português = 7.270 resultados
- Espanhol = 1.290 resultados (aproximadamente 70% de autores ou coautores brasileiros, e todos os demais são de países sul americanos)
- Inglês = 211 resultados (TODOS traduções ou publicações de brasileiros, colombianos, venezuelanos e argentinos – quase 100%, os mesmos autores que publicam em português ou espanhol)
Agora, vá em outras duas fontes, como o Academia.edu e o Research Gate. Nelas, os resultados (para qualquer idioma) são: 59 no primeiro site e 152, no segundo.
Por fim, se tiver acesso, busque em bases de dados científicas. Nas minhas pesquisas, em dezenas de publicações acadêmicas, os resultados foram:
- EBSCO = 16 resultados (15 em português, 1 em espanhol, de autores colombianos)
- Scielo = 5 resultados (4 em PT, 1 em ES, de argentinos)
- Emerald = Nenhum resultado
Vale dizer, as pesquisas em todas as fontes trazem resultados repetidos e foram realizadas a 05 de Agosto de 2020.
Talvez não seja frequente, mas certamente é comum, que teorias e práticas na área de Marketing sejam renomeadas, reembaladas e vendidas como elixires para os menos atentos.
E Growth Hacking? Isso existe?
Nessa linha de “reinventar a roda em conceitos já estabelecidos de Marketing”, há alguns anos proliferou-se a expressão “Growth Hacking” juntamente com seus penduricalhos (livros, cursos, cargos).
Em dado ponto, talvez por conta da viralização do termo e de suas alegadas aplicações, busquei estudar sobre Growth Hacking (GH). Comprei dois livros de referência, passei a seguir os expoentes de diversos países na área, li blogs, assisti a vídeos e cheguei mesmo a participar de um relevante e numeroso grupo no Facebook cujo foco era GH.
Growth Hacking é uma maneira, talvez uma mentalidade, de se aplicar o Marketing com base em pequenos e rápidos experimentos (comumente chamados de “hacks” ou “atalhos”), sempre com foco em crescimento (normalmente financeiro ou da base de clientes/prospects).
A principal crítica é que, ao contrário do que Andrew Chen (um dos “ícones” de GH) disse, o Growth Hacker não substituiu e não irá substituir o responsável pelo Marketing. Primeiro, porque o Marketing é muito mais amplo do que o foco único em crescimento. Em segundo, porque não se trata de “ou X ou Y”. Não é por aí. Entendo o GH como uma (das várias) formas de se praticar determinados conceitos de Marketing, em determinados contextos, a depender das necessidades, objetivos e recursos da empresa.
Em outras palavras, se você não conhecer Marketing, irá aplicar mal, limitadamente ou equivocadamente o que realmente poderia ser feito com o GH.
Endomarketing x Growth Hacking: devo acreditar nesses termos?
Talvez -o que não é surpreendente-, o elemento mais perceptível ao imergir em Growth Hacking seja o fato de haver uma larga parcela de “Growth Hackers” que não apenas ignoram que não há nada em suas práticas que já não esteja previsto na academia de Marketing, como também se orgulham de negar ou insultar estudantes, professores ou executivos do que os GHs chamam de “marketing tradicional”.
Outro ponto interessante é que, a despeito de muitos defenderem que o GH é a novidade que irá substituir ou mitigar a validade das atividades pressupostas em Marketing, os ícones dessa área são, eles próprios, sólidos profissionais de Marketing.
Por exemplo, o “pai” do conceito, Sean Ellis, possui diversas formações em Marketing (como na New York University e em Harvard). Adicionalmente, foi executivo de Marketing de 1994 até pelo menos o final da década de 2000.
Veja, o ponto aqui não é discutir se Growth Hacking existe ou não. Existe, isso é fato. Endomarketing também existe. Em ambos os casos, há profissionais que trabalham nessas áreas, há imensos cursos e eventos, livros, enfim.
Existir, entretanto, não quer dizer que algo é necessariamente bom ou certo. A questão, portanto, pode soar meramente conceitual mas, na verdade, é extremamente impactante na prática.
No caso do Endomarketing, é aconselhável que você corra para estudar as fontes sobre Marketing Interno, especialmente dentro da perspectiva de Marketing de Serviços, e nunca mais use esse palavra. O criativo que cunhou o termo brasileiro esqueceu de copiar (ou explicar ao menos!) pontos vitais da teoria, como o Triângulo de Serviços, por exemplo.
No caso de Growth Hacking, busque estudar mais sobre o Sean Ellis e veja como alguns brasileiros aplicam o conceito de forma coerente. Os professores Edu Costa e Thiago Muniz são raros exemplos de profissionais de Marketing, que usam o que conhecem da área de Marketing para identificar e potencializar oportunidades com visas a encurtar caminhos com foco no crescimento de determinados indicadores de performance.
E agora? Como me desintoxicar?
Primeiro – NÃO, Growth Hacking não é o novo Endomarketing.
Nos tópicos iniciais deste artigo, você deve ter percebido que, enquanto GH é, potencialmente, uma mentalidade para se aplicar Marketing com base em experimentos curtos e baratos, e sempre com foco em crescimento, o Endomarketing é um Frankstein de um conceito já existente, que foi adotado por um tradutor técnico e registrado como sendo sua criação intelectual e inédita. Nesse sentido, o Endomarketing se assemelha mais aos “8Ps”, também “criação inédita” de outro brasileiro.
Diferentemente de Growth Hacking, Endomarketing não existe, ou não é reconhecido, por nenhum acadêmico relevante e sequer por estudantes, profissionais ou professores fora do Brasil ou de uns poucos países da América do Sul (claramente influenciados pelos textos de ignorantes/incautos brasileiros).
Como disse no início desse artigo, historicamente a área do Marketing é vítima das “reinvenções da roda”. Há mesmo quem estude esse fenômeno e tente entender as razões que levam o Marketing ser uma área particularmente fértil e frágil para esses erros.
Para se desintoxicar, o primeiro passo é estudar pelas fontes certas.
No caso de Endomarketing, leia sobre Marketing Interno. Normalmente encontrará bons textos acadêmicos e há livros específicos sobre o tema (mais comumente abordado dentro de livros de Marketing de Serviços).
Já no caso de Growth Hacking, ao estudar as bases de Marketing, perceberá que, talvez, GH seja uma forma (de várias possíveis) de se aplicar o Marketing. Uma das biografias da Amazon que mais gosto, Amazon.com: Get Big Fast (Spector, 2000), mostra que o racional de GH já era utilizado pela empresa (isso foi uma década antes de Sean Ellis cunhar o termo).
Vale dizer, não penso que Growth Hacking também seja o caso de se “desintoxicar”, mas de aprender que trata-se de uma maneira de se aplicar conceitos de Marketing, normalmente mais útil em alguns contextos (pequenas empresas e startups, por exemplo).
Ou seja, no caso de GH, é mais importante que conheça Marketing, para só depois ter a capacidade de aplicar suas competências de Marketing da maneira X ou Y, de acordo com as necessidades de cada contingência. Veja esse vídeo/post em que recomendo os 5 Livros Essenciais de Marketing.